domingo, 21 de março de 2010

Inevitavelmente... Saudade


Isabelle caminhava naquela tarde seca. A rua estava vazia e algumas folhas amareladas envolviam seus pés enquanto estes caminhavam pesados. Toda a companhia que Isabelle desfrutava era a de si mesma e, interiormente, lhe bastava, chegando ao ponto de a própria companhia beirar o excessivo. Em um dado momento, na rua vazia, olhou subitamente para trás e, em seu ombro esquerdo, avistou uma senhora branca, de pele tão seca quanto o próprio tempo que insistia em judiar de seu corpo. Os cabelos se distanciavam entre as falhas expondo o seu couro cabeludo e pálido; os olhos eram pequenos, quase sem cor que se fizesse notar sob os cílios esbranquiçados e curtos. Isabelle fitou a velha e, no susto, sua boca fina encolheu-se, tensa, afastando os troncos alguns centímetros. Perguntou, trêmula e curiosa:
- Que queres?
- Me mandaram te visitar.
- Quem é você?
- A Saudade...
Isabelle encolheu a testa com estranhamento e uma lágrima corroeu-lhe o rosto:
- E quem te mandou aqui?
- Todos aqueles que você deixou pra trás... aqueles que um dia fizeram da sua vida algo realmente notável.
- Não preciso de ninguém que me faça notável, eu me basto.
- Mas por que estou aqui então? Se o seu coração não tivesse me atraído até aqui eu não viria.
Isabelle olhava para a velha Saudade e seu corpo enfraquecia-se. Quanto mais a enxergava, mais tentava esconder a intimidade que ambas tinham, há tempos, uma com a outra. Ela insistia, no entanto, a resistir para que não transparecesse o buraco havia em sua alma.
- Está se contradizendo, Sra. Saudade. Não disse que te mandaram aqui? Como é que você não viria se eu não te tivesse te atraído?
- Eu só acompanho alguém a partir do momento em que ela se deixa acompanhar, por mais que me digam: “Saudade, diga àquela moça, por favor, como é sincero meu amor...”, ou mesmo “Saudade, visite a senhorita para que ela se lembre de mim...”. Mesmo com todos esses pedidos, se você não me quisesse também, seria impossível eu vir.
- Eu não me deixo acompanhar, nunca deixei, não preciso que me acompanhem. As pessoas que ficaram no passado não me servem, me atormentam. Embora não lhe deva satisfações, já vivi quase cinco décadas e sempre fui assim, nunca quis ter ninguém e ainda não quero, por isso deixei a todos. As pessoas me sufocam...
- De saudade.
O impacto da palavra arrebatou Isabelle. A resistência já era inútil, embora ela tentasse controlar, os olhos já não obedeciam e soltavam lágrimas em seu rosto túrgido. Ajoelhou e, finalmente, largou seu corpo para que ele se entregasse ao sufoco de suas escolhas. O tempo já não era precioso para Isabelle, não importava mais.
A Saudade ergueu o rosto da bela, mas triste Isabelle, em prantos, segurou-lhe a mão, levantando-a vagarosamente. Ambas fitaram os olhos uma da outra, entrelaçaram suas mãos e andaram por aquela rua vazia:
- Por que, Isabelle?
- Por que? Ah, porque... não sei, penso que tenho medo de me machucar mais. Preciso esquecer as pessoas para que elas não acabem comigo... e eu não sou mais uma garotinha, não tenho tempo para recomeçar.
- E por que age como tal?
Isabelle paralisou os olhos como vidros, e tais brilhavam na inércia do tempo. Não teve resposta e deixou que mais algumas lágrimas percorressem seu rosto:
- Sempre fui sozinha, e nunca ninguém poderá mudar isso. Desde pequena, quando fui abandonada, sempre estive sozinha...
- Eu me lembro. Você não estava sozinha... eu já estava ao seu lado.
Caminharam, então, sem rumo, com o destino beirando seus olhos vazios, para sempre.