segunda-feira, 12 de julho de 2010

A menina e a Loucura


Breta olhava para aquele teto pálido como se seus olhos o pudessem furar. Os gritos agudos e desesperados durante a noite atrapalhavam seu sono, e os remédios que lhes eram dados para adormecer, se encontravam todos dentro da fronha do travesseiro. Várias noites se passavam e Breta continuava a sonhar no dia em que sairia daquele hospício. Os pais a internaram fazia quase três anos e, dia após dia, ela se sentia enlouquecer mais um pouco. Enquanto os minutos da madrugada custavam a passar, sua mente não podia descansar. Todas as cenas de sua vida passavam dentro de si, e a pobre garota, com seus maus vividos vinte e dois anos, não podia entender o porquê daquilo tudo. Por que era diagnosticada como louca? Diagnosticada, inclusive, por pessoas que estudaram a vida inteira para, um dia, poderem definir quem está ou não em perfeito estado de sanidade. O que Breta não podia compreender era: qual é o estado de sanidade que tanto se cobra? O que é preciso ser para ser considerado normal?
O vento batia forte e grosseiro, quando algumas palavras começaram a salpicar baixas em seu ouvido:
- É que os seres humanos não conseguem se suportar. Não podem conviver uns com os outros se não for sob regras e padrões. Sabe por quê? Porque eles precisam ver que têm algo em comum. Eles precisam seguir a risca todos os padrões já impostos sei lá por quem, e sei lá por quê. Eles precisam que todos se enquadrem nesse manequim de "normalidade"... Se você sair, agora, gritando, simplesmente para aliviar o estresse, Breta, todos vão dizer que está certo você estar aqui, que você é realmente louca. Todos vão fingir que nunca tiveram vontade de sair correndo e gritando, todos vão vestir a máscara da sanidade e agir como se nunca tivessem tido vontade de saírem correndo pelados pela rua, ou agarrar um amor secreto, ou mesmo desligar-se do mundo por um minuto, uma hora ou mesmo um dia, e não falar nada-com-nada, simplesmente para ficar livre desses compromissos que pesam em nossas costas todos os dias em que vivemos nessa merda de mundo padronizado e falso.
Breta olhou e não reconheceu o ser que se postava em sua frente. Calou-se, esperou que as intensas palavras suavizassem um pouco mais no ambiente, e indagou:
- Quem é você? Estou tendo alucinações agora?
- Não está tendo alucinações, Breta. Eu sou a Loucura. Aquela que mora dentro de cada um dessa bosta de planeta, mas que é rejeitada. Sabe, em certa dose, eu sou boa. O problema é que eu não sei mais onde me acomodar. Disseram-me que o certo era eu ficar aqui, e em todas as casas específicas para as pessoas loucas em tratamento. Mas, sabe... eu não concordo. Eu não acho que você seja mais louca que aqueles outros indivíduos que estão lá fora.
- Eu também acho que não. Mas eles dizem tanto que eu sou maluca, que não sei mais a quem recorrer, todos acham que eu não presto para estar lá fora.
- Sabe, Breta... eles acham isso porque você é sincera. E sabe qual é a diferença entre você e eles? É que você não consegue se adaptar aos padrões que eles impõe um ao outro. Você é o que é. Eles agem como se você não tivesse o direito de habitar esse Planeta. Todos vieram parar nele da mesma forma, todos estão presos a ele da mesma forma. Mas cada ser humano é tão diferente um do outro, em cada detalhe, cada impressão digital, cada pulsação e emoção... tão diferentes... por que é, então, que todos ali fora acham que devem agir igual? Para não incomodar um ao outro? Você tem que adaptar-se, a vida toda, apenas para agradar, ou não desagradar ao outro. Sabe o que eu acho sobre isso, Bre?
- O que? - respondeu Breta, quase chorando, com os olhos fixos naquele ser longelíneo e colorido.
- Acho um tremendo egoísmo eles não suportarem o fato de serem tão diferentes um do outro. Quem está louco então, Breta? Quem é que está louco? Aqueles que fogem da própria essência por pura covardia e medo de rejeição...
- ... ou aqueles que não têm medo de mostrar para o mundo o próprio interior? - completaram as duas juntas, abraçando-se e olhando o luar que parecia pendurar-se na janela de vidro.
- E agora, Dona Loucura?
- Agora esperemos que o tempo cure essas pessoas, minha filha. Esperemos que o tempo cure...

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